Na minha rua tinha dois grupos, o grupo das “meninas grandes”: Nólia, Doinha, Margá, Pizinha, Pingo, Nenenca e Joza. E o grupo das “meninas pequenas”: eu, Amanda, Hogla, Rosa e Neidinha. Ah, tinha o “café-com-leite”: Leandra e Nina. A divisão dos grupos era por idade e a diferença entre o grupo das “meninas grandes” e o das “meninas pequenas” era de uns cinco anos mais ou menos.
Muitas vezes os grupos brincavam juntos, mas as mais velhas já estavam se assanhando pra começar a namorar e isso para nós mais novas era uma grande besteira, como pode deixar de brincar pra ficar se agarrando com os meninos idiotas, pra gente todo menino era idiota. Porém sempre que podíamos estávamos juntas, mas era complicado conciliar já que a Margá é minha irmã, Pingo é prima de Amanda e Hogla, Doinha é irmã de Rosa e Joza e Nenenca são irmãs da Neidinha, a única de boa com todo mundo era Nólia que não tinha conflito com nenhuma, das meninas maiores o meu maior xodó era e é até hoje e vai ser sempre é a Nólia. Ela cuidava de mim, me ensinava os melhores esconderijos e quando saia com minha irmã Margá e eu queria ir, minha irmã não deixava, mas Nólia não resistia meu dengo e se eu estivesse de cabelo assanhado (isso era muito comum) ela arrumava rapidinho, nem que seja amarrando com canudo de refrigerante ou o que encontrasse no chão, mas ela me levava com ela.
Da minha turminha “as meninas pequenas” eu era muito ligada a Amanda, achava que era por sermos do mesmo signo sei lá, só sei que tínhamos muito em comum, gostávamos das mesmas coisas, a gente era bem cúmplice, se Amanda estivesse de castigo (geralmente Hogla aprontava e Amanda pagava) eu era solidária a ela, eu não ia brincar, ficava de castigo junto com ela ou se eu não pudesse brincar, Amanda também não brincava.
Amanda e Hogla são irmãs, Amanda é mais velha, elas moravam em São Paulo e todos os anos vinham passar as férias em Barreiras na casa da avó, dona Lia. Essas férias muitas e muitas vezes viraram temporadas de um ano e elas acabavam ficando pra estudar, o que eu e Amanda achávamos ótimo, pois assim a gente podia brincar todos os dias. Muitas vezes briguei com Hogla para defender Amanda, que apesar de ser mais velha era mole, só sabia chorar, nada de agressão física, mas bem que eu tinha vontade de dar um pau em Hogla, detalhe elas duas sempre foram as mais altas da turma, não é atoa que quando adolescente Amanda se tornou modelo, muito linda, alta, magra com pele alvinha, cabelos claros, já a Hogla era também alta, mas era mais gordinha, era branquinha, mas de cabelos bem pretos e tinha péssima dicção, a voz rouca e chamava coca-cola de toca-tola, dida colada de dida-tolada e quando chorava fazia um escândalo e assim sempre era vítima e a Amanda, coitada era sempre culpada de tudo.
Eu e Amanda vivíamos grudadas, sempre no mesmo time das brincadeiras, quando isso não acontecia sabotávamos o próprio time só pra uma não ganhar da outra, dessa forma era mais fácil deixar a gente na mesma equipe. Quando fiz 12 anos, menstruei, isso pra mim foi quase a morte, significava que eu não era mais criança, que eu não poderia mais brincar na rua, pois as outras meninas ainda não tinham menstruado, assim eu escondi de todo mundo, menos de Amanda. Um dia Hogla me flagrou lavando uma calcinha suja de menstruação e contou para as outras meninas, só que pra elas serviu apenas de curiosidade pra saber se doía, como era e tal, e continuamos brincando normalmente. Não durou muito e todas menstruaram no mesmo ano, só Amanda que demorou muito pra menstruar lá para depois dos 16 anos. As meninas à medida que iam ficando mocinhas, não queriam mais escarrerar na rua, estavam mais interessadas nos garotos, menos eu e Amanda óbvio, a gente queria esticar a infância até onde desse, então passamos a brincar de casinha escondidas na minha casa, geralmente no quarto de minha mãe, brincamos até os 16 anos. A gente já se interessava pelos garotos também, mas era aquela coisa platônica, não queríamos beijar, agarrar ninguém, era só pra dizer que a gente gostava de alguém. Uma época, eu e Amanda nos apaixonamos por dois rapazes que trabalhavam numa firma perto das nossas casas (minha casa e de Amanda eram de frente uma para a outra), o paquerinha da Amanda usava o cabelo bem curtinho, daí botamos o apelido de Careca, já o meu era ruivo aí colocamos o apelido dele de cabelo de fogo. Os caras perceberam nosso interesse por eles, mas nunca se aproximaram, eles já eram homens e nós éramos duas meninas de 13 ou 14 anos que brincavam na rua de boleada, andavam sujas de tanto correr e subir em árvores, mas eles sempre davam uma olhadinha pra nós e aí já era suficiente pra turma dizer que estávamos namorando.
Voltando mais atrás ainda, quando Amanda e eu estávamos com uns 11 anos, um menino chamado Luisinho se apaixonou por Amanda, realmente ela era a mais bonita da turma. Ele tinha a nossa idade, só que baixinho, ou melhor, ele tinha estatura normal, Amanda que sempre foi gigante. Daí, ele era de outra rua e um dia chegou com a turminha dele de garotos na nossa rua, ele vestido todo de branco, calça e camisa social, parecia um pai de santo e pediu Amanda em namoro, ela não queria de jeito nenhum, mas tanto que a prima Pingo insistiu que ela aceitou, mas era um namoro sem beijo na boca (todas nós achávamos beijo na boca muito nojento), não tinha abraço nem nada, era só pra pegar na mão e conversar. Os amigos dele se vestiam como qualquer garoto naquela idade, só Luisinho que todo dia vestia aquela roupa branca, a gente dizia que era a roupa de ver Amanda.
O tal namoro não durou nem uma semana, pois os amigos dele se juntavam com a gente pra brincar (escondido de meu pai que não deixava a gente brincar com meninos), aí ficava Amanda doida pra brincar e tinha que ficar segurando a mão da miniatura de médico muito bem penteado, até que um dia ela não resistiu e o chamou para brincar, aí ele disse que não podia sujar a roupa, ela largou ele sentado na cadeira e foi brincar conosco, foi o fim do namoro e assim partiu o coração do Luisinho que voltou na nossa rua na noite seguinte, vestido como um menino normal pra terminar o romance.
Para nós as “meninas pequenas” foi um alívio, só assim a gente podia brincar em paz sem precisar tomar tanto cuidado com bola ou qualquer coisa que pudesse sujar a roupa branca do rapazinho.
Atualmente Amanda mora em Salvador, é mãe de uma menina linda, a Camila. Luisinho não sei por onde anda, Hogla continua em São Paulo, também é mãe de uma menina, a Sara, Rosa e Neidinha continuam em Barreiras, as duas também são mães. Visitei Amanda algumas vezes em Salvador, daí perdemos o contato faz uns três anos e agora ela me encontrou no Facebook e o carinho entre nós continua o mesmo, sempre recordando os tempos de meninice quando éramos as melhores amigas e nada nos fazia ter medo, a não ser as broncas de meu pai ou de seu Zé Norato (avô de Amanda).
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